A festa será realizada no dia 14 de maio com evento presencial
Patrimônio Cultural Imaterial de Cotia (Lei 1823/2014), a Congada de São Benedito está de volta com programação presencial. Depois de dois anos sem sair às ruas - por conta da pandemia da covid-19 - levando a alegria dos congos, reverenciando os ancestrais e marcando a resistência, a liberdade, a libertação dos escravos, a festa será retomada este mês no ano em que completa 71 anos de história na cidade de Cotia. História que começou a ser escrita por Benedito Pereira de Castro, o Seu Dito, como era conhecido.
Seu Dito deixou um legado de amor à congada e à cultura popular. Este legado segue vivo pelas mãos de sua filha, Elisete Aparecida Castro, e de outros familiares e amigos, aos quais ela chama de ‘irmandade’. Pessoas imbuídas do desejo de não deixar o congo em Cotia morrer. “[congada] é manifestação de alegria, momento em que as pessoas do congo demonstram alegria nas ruas, sensação de liberdade, porque isso é a congada: é liberdade”, descreveu. “Os negros já vieram da África com a sua cultura milenar passaram a ser chamados de escravos aqui no Brasil, porque lá eram reis, príncipes e princesas”, completou Elisete.
Neste ano, a festa será no dia 14 de maio, com o apoio da Secretaria de Cultura e Lazer e de Turismo. Antes, no dia 13 de maio, haverá Encontro Cultural em homenagem à Congada. A programação será divulgada ainda nesta semana. Abaixo, os principais trechos de uma entrevista com Elisete, a festeira de Cotia.
- Defina congada.
Congada é o que eu amo. É manifestação de alegria, momento em que pessoas do congo demonstram esta alegria nas ruas com sensação de liberdade, porque isso é congada: é liberdade. O momento que faz os passos ao som de tambores e outros instrumentos, chama o povo para entrar na cultura e voltar ao passado, além de ser cultura popular. Não é reconhecida por muitos, porque muita gente confunde a congada, [como] cultura popular que é, [com] a espiritualidade [sic].
- Por falar em espiritualidade, algumas pessoas olham para a contada com o mesmo preconceito que olham para religiões de matrizes africanas. Mas na Congada de São Benedito, tem celebração de missa. Qual é a relação da Congada com a religião católica ou outras religiões?
Nosso estandarte tem Santos, cada um com sua devoção. No princípio o que os negros faziam? Tanto o negro quanto o índio cultuavam seus cultos no que eles acreditavam, eles precisaram assemelhar os santos à igreja católica, não poderiam fazer nada, tanto os negros quantos os índios teriam que ser moldados à religião, e cada qual dentro da sua cultura, o índio no Brasil cultuava o quê? A natureza, esse grande respeito com a criação, mas confundido com o quê? Chamavam de feiticeiro, mas não era nada disso! Infelizmente. É a mais pura religiosidade está dentro do culto indígena devido à natureza, a tudo que foi feito pelo criador. Os negros já vieram da África com a sua cultura milenar passaram a ser chamados de escravos aqui no Brasil, porque lá eram reis, príncipes e princesas, aí você tira pelo Egito, astrólogos, filósofos, grandes pessoas, grandes sábios que vindo para cá tiveram que esquecer a sua religiosidade sem poder cultuar o que eles acreditavam. Tiveram que assemelhar os santos, isso no passado. Hoje, para nós, cada estandarte traz um santo de fato da sua devoção de coração, porque muitos que dançam congada não têm este entendimento do que era no passado e do que é hoje. Então, hoje é realmente por devoção e que enfim as pessoas acabam confundindo. A questão entre a igreja católica tem todo este toldo, esta semelhança. Hoje, porém, você pode ver estamos fazendo missa, tem a missa por quê? Porque é uma celebração à alma daqueles que se foram, eles são esquecidos, podemos chamar de almas esquecidas, ninguém lembra mais deles. Mas todos merecem uma missa, eles merecem ter o nome deles, a memória deles, elevados ao altíssimo, por isso existe a missa com todo o respeito. Inclusive o terço na minha casa em homenagem aos nossos antepassados [sic].
Quantas pessoas estão envolvidas de forma direta com a congada?
Na época da festa eu fico correndo pra lá e pra cá e quase não consigo ver nada, mas tem a questão das pessoas que enfeitam o andor, são várias famílias, são seis andores que neste ano vão sair, então nestas famílias cada uma tem cinco, dez pessoas envolvidas. [...] Pode contar com cem pra mais pessoas, fora os que nos ajudam na própria organização a família da própria congada, aí vai agregando pessoas. Não existe uma quantidade específica, mas são muitas pessoas [sic].
São voluntários? Ao longo dos anos este número tem se mantido, agregam mais pessoas?
Vai agregando, a cada ano vem uma família diferente: ‘eu quero dar o almoço’, ‘eu quero dar o café’, ‘o que vocês precisam?’. Neste ano mesmo, tem uma menina que veio me pedir para enfeitar um andor de Santa Terezinha porque ela é devota e toda a família dela. Então, eles estão envoltos com a construção do andor, o enfeite.
Além do grande evento que acontece em maio, mês da libertação dos escravos, este grito de liberdade, qual é a programação da Congada de São Benedito ao longo do ano? Como fazem para se perpetuar e não ser um evento que só acontece no mês de maio?
Teve a questão da pandemia e quando a gente estava se organizando para termos os eventos, veio a pandemia, falei para todos da congada que, terminando este 13 de maio, vamos voltar a fazer festas juninas, em agosto que é mês do folclórico, zumbi.
Falando em pandemia, como foram estes dois anos em que a congada teve que se calar?
Foi bem triste, o que a gente pôde fazer foi on-line. Apesar da pandemia realizamos aqui dentro, só com as pessoas da congada para não passar em branco a questão da data. Foi feito também on-line entrevista com as pessoas, mas ainda assim foi muito triste e ao mesmo tempo emocionante você saber que não tinha aquele calor do povo, a gente sentiu muita falta, tínhamos pessoas chorando. Pessoas de outras cidades que participaram, de Mogi, Lorena, pessoas do entorno, foi emocionante, para não deixar morrer. [...] Esta retomada para a gente ela é de uma grandeza e de um sentimento de poder voltar, poder estar com as pessoas que considero uma grande irmandade. [...] É através da cultura que você vai encontrar a sua identidade no passado. Sem cultura não existe história.
Este ano tem o sabor dos 71 anos da congada como existência e resistência ao longo de 7 décadas. Como está a expectativa para a retomada e os preparativos para a festa?
A expectativa é bem grande, até já estou pálida, abatida, emagrecendo porque fico com ansiedade (risos) para que tudo aconteça. [...] Não olho pra mim ou para a dificuldade, às vezes eu choro sozinha, como estou querendo chorar agora, porque é complicado porque isso me faz lembrar do meu pai, dos meus tios, da força que eles tinham, da luta que eles travaram para deixar essa cultura aqui em Cotia. [...] Isso pra mim é, às vezes, é até difícil falar porque sei que nestes 71 anos, para chegar ao que é hoje, a gente adquiriu o respeito da própria comunidade não foi fácil.[...] Eu penso assim, mês de maio, congo na rua. O congo, com ou sem pessoas apreciando a festa, vai estar nas ruas, vamos colocar alegria na rua, não importa se vai ter povo ou não [sic].
Você falou que a congada conquistou Cotia, e lembrando do seu pai que trouxe a congada para Cotia, o que ele diria agora, depois de dois anos de congada calada e poder voltar neste momento?
Meu pai estaria ansioso, que era como ele sempre esteve, ele era alegria em pessoa, todo mundo cabia no coração dele. Ele falava que passou do portão para dentro passa a fazer parte da minha família. Ele agregava o todo naquele coração gigantesco. Para ele, mesmo com a pandemia, tenho certeza que a alegria dele não ia atrapalhar. [...] Ele estaria me dando uma força que sinto falta extrema, porque em festas eu conversava com ele, para ver como ele queria, o que tinha que fazer, ele me faz muita falta, ele é a minha referência, ele é a minha força e ele estaria até mais forte do que eu. Alegria em pessoa. Estaria com muita ansiedade esperando para que tudo saia corretamente e ele alegria de ver a irmandade e o congo, povo na rua, ele gostava de ver tudo na rua [sic].
Vocês vão ter convidados de fora? O que você já tem confirmado?
Este ano não chamei muitos, depois da pandemia quero trazer os mesmos congos que vieram, para se unirem novamente, porém tem congada que já não vai poder vir, teria oito, mas virão seis. [...] Teremos congos de Taubaté, de Mogi das Cruzes, dois de São Paulo, Pindamonhagaba, é o que vamos trazer este ano e, para o outro ano, pretendo trazer outros congos.
Para concluir, o que você gostaria de dizer para quem não conhece a congada. Faça um convite.
O que posso dizer a vocês, público? Pessoas que não nos conhecem: ‘venham, participem, as portas estão abertas’. Venham participar e exaltar a cultura porque é o que precisamos, precisamos desta alegria. Cultura é vida, é força. Esta é a força que nos move, a força da nossa ancestralidade, seja ela indígena, branca, negra, japonesa tudo é cultura, venham participar desta alegria conosco, conto com todos vocês.
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